sábado, 23 de janeiro de 2010

Quem disse que preguiça é pecado?

Markus Frind trabalha uma hora por dia (no máximo) e fatura US$ 10 milhões por ano. Como ele consegue? Com uma estratégia clara, uma organização simples e o melhor: sem esforço.

Lisos


Às 10 da manhã, Markus Frind sai de seu apartamento rumo ao trabalho. É uma curta caminhada pelo centro da cidade canadense de Vancouver, mas o percurso parece difícil. Não porque Frind seja preguiçoso. Bem, ele é um tanto preguiçoso, mas essa é uma outra história. O problema é que ele ainda está se habituando à ideia de um trajeto até o trabalho cuja distância seja maior do que entre sua sala e seu quarto. A empresa de namoros online de Frind, Plenty of Fish, está recém-situada no 26º andar de um arranha-céu na cidade.
O espaço reluzente poderia facilmente abrigar 30 empregados, mas quando Frind entra há um silêncio assustador – apenas uma sala com carpete novo, paredes cheirando a tinta e oito monitores de computador de tela plana. Frind derruba a sua bolsa e senta-se diante de um deles. Olha para a mesa. Há um pedido de US$ 180 mil esperando por sua assinatura. É da VideoEgg, uma empresa de São Francisco que está pagando para Frind exibir uma série de comerciais da cerveja Budweiser no Canadá. Como a maioria de seus contratos de publicidade, este encontrou Frind. Ele nem sequer tinha ouvido falar da VideoEgg até uma semana atrás. Mas geralmente você atrai a atenção dos anunciantes quando está gerando 1,6 bilhão de páginas da web por mês.

“1,6 bilhão”, diz Frind lentamente, estalando os lábios no “bi”. “Talvez haja dez sites nos Estados Unidos com mais do que isso.” Cinco anos atrás, ele criou o Plenty of Fish sem dinheiro ou plano e com conhecimento precário de como montar uma empresa na web. Hoje, segundo a firma de pesquisas Hitwise, sua criação é o maior site de namoros na internet dos Estados Unidos e possivelmente do mundo. Seu tráfego é quatro vezes maior que o da pioneira dos namoros Match, que tem centenas de funcionários. Até 2007, Frind não tinha equipe. Atualmente, ele emprega apenas três funcionários de atendimento ao cliente, que verificam mensagens spam e deletam imagens de pessoas nuas do site, enquanto Frind cuida de todo o resto.

Incrivelmente, Frind montou sua empresa de modo que “todo o resto” significa quase não fazer nada. “Eu geralmente faço tudo na primeira hora”, ele diz, antes de uma pequena pausa para pensar melhor. “Na verdade, é nos primeiros dez ou 15 minutos.” Para demonstrar o que diz, Frind vira-se para seu computador e começa a mexer em um software gratuito que ele usa para gerenciar seu inventário de publicidade. Enquanto isso, ele se queixa do alto índice de Imposto de Renda no Canadá, um problema sério, considerando-se que a Plenty of Fish registrou uma receita de US$ 10 milhões em 2008, com margens de lucro superiores a 50%. Seis minutos e 38 segundos depois de começar seu dia de trabalho, Frind fecha o navegador da web e anuncia: “Terminei”.

Terminou? De verdade? “O site praticamente funciona sozinho”, ele explica. “Na maior parte do tempo, eu apenas fico sentado assistindo.” Há tão pouco a fazer que ele e sua namorada, Annie Kanciar, passaram a maior parte do último verão tomando sol na Riviera Francesa. Frind verificava por um ou dois minutos se não havia mensagens de erro sérias, e então voltava a beber vinhos caros. Um ano atrás, no México, eles relaxaram em um iate com quatro amigas de Annie. “Eu e cinco garotas”, ele diz. “Vida dura…” Quando Frind se levanta para sair, eu lhe pergunto quais são seus planos para o resto do dia. “Não sei”, ele responde. “Acho que vou dar um cochilo.”

É um conto de fadas do século 21: um jovem cria um site em seu tempo livre. Ele é desconhecido, igual a qualquer um de nós. Não estudou no MIT, em Stanford ou qualquer outra faculdade de quatro anos, mas é incrivelmente brilhante. Saltou sem destino de emprego em emprego, mas secretamente é ambicioso. Constrói sua companhia por conta própria e no seu apartamento. Na maioria das histórias, é aí que começa a vida dura – longas horas de trabalho, noites sem dormir e experiências empresariais terríveis. Mas este enredo é muito mais agradável. Frind não trabalha mais de 20 horas por semana nas épocas mais movimentadas. Cinco anos depois, ele dirige um dos maiores sites do planeta e paga a si mesmo mais de US$ 5 milhões por ano.

Aos 30 anos, Frind não parece o tipo de sujeito que dirigiria qualquer negócio líder de mercado. Tranquilo, de aparência comum, é o tipo de pessoa que pode desaparecer em uma sala cheia de gente e que parece ocupar menos espaço do que seu corpo avantajado poderia sugerir. Os que conhecem Frind o descrevem como introvertido, inteligente e um pouco estranho. “Markus é um desses engenheiros que ficam mais à vontade sentados na frente de um computador do que conversando com alguém cara a cara”, diz Noel Biderman, cofundador da Avid Life Media, uma empresa baseada em Toronto que possui vários sites de namoro.

Quando decide abrir a boca, Frind pode ser surpreendentemente franco. Segundo ele, o Yahoo é “uma piada total”, o Google é “um culto” e o Match está “morrendo”. “Nunca conheci ninguém tão competitivo. Ele diz exatamente o que pensa”, afirma Mark Brooks, um consultor de marketing que assessora Frind desde 2006. Quando peço para Frind falar sobre o que faz nas 23 horas do dia em que não está trabalhando, ele se esforça para responder, então olha desesperado para Annie. Ela é uma loura esguia com um sorriso fácil e uma gargalhada calorosa, que usa literalmente para tentar fazer Frind se abrir mais. Annie dá algumas sugestões – videogame, viagens para esquiar, caminhadas – e então tenta concentrar as energias dele. “Estamos tentando convencê-lo de que somos interessantes”, diz delicadamente.



MERGULHO NA MATEMÁTICA
Frind passou seus anos de formação em uma fazenda de cereais. Sua cidade natal, Hudson’s Hope, é um lugar frio e isolado não muito longe do ponto inicial da Rodovia do Alasca. Os pais de Frind, agricultores alemães que emigraram pouco antes de seu quarto aniversário, compraram uma área de 480 hectares a 15 quilômetros da cidade e, no começo, moraram em um trailer sem eletricidade, telefone ou água corrente. Os vizinhos mais próximos da família estavam a dois quilômetros de distância, e, exceto por um irmão mais moço, Frind não teve amigos.

Em 1999, depois de se formar em uma escola técnica com especialização em programação de computadores, Frind conseguiu um emprego em um shopping center online. Mas logo a bolha das pontocom estourou e ele passou anos pulando de uma novata falida para outra. Quando estava empregado, era uma tortura. Seus colegas engenheiros pareciam escrever deliberadamente códigos insondáveis para proteger seus empregos. “Literalmente eu levava quatro ou cinco horas”, ele diz – uma eternidade no tempo de Markus Frind – “só para decifrar esses códigos.” Mas arrumar a bagunça dos outros ensinou Frind a simplificar rapidamente códigos complexos. Em seu tempo livre, ele começou a trabalhar em um software que se destinava a encontrar números primos em progressão aritmética. O tema é um constante desafio na matemática porque exige muita potência de computação. Ele terminou o projeto-hobby em 2002, e dois anos depois seu programa descobriu uma série de 23 números primos, a mais longa já encontrada. (O recorde de Frind foi superado depois, mas não antes de ser citado pelo matemático da Universidade da Califórnia em Los Angeles Terence Tao, vencedor da prestigiada Medalha Fields.). “Eu estava aprendendo a tornar o computador o mais rápido possível”, diz.

No início de 2003 a economia tecnológica em Vancouver ainda não havia se recuperado e o sexto empregador de Frind em três anos estava demitindo metade de sua força de trabalho. Temendo perder o emprego mais uma vez, Frind decidiu construir o site mais difícil que pudesse imaginar. O namoro online foi uma escolha inspirada, pois o ato de construir uma rede intricada de piscadelas, sorrisos e expressões eletrônicas exige uma habilidade de programação significativa. “Eu tinha um desejo ardente de ter alguma coisa estável”, ele diz. “E realmente não queria trabalhar.” Com a dedicação de algumas horas por noite durante duas semanas, Frind construiu um tosco site de namoro, que batizou de Plenty of Fish. Era incrivelmente simples – apenas uma lista de anúncios pessoais sem enfeites. Mas oferecia algo diferente de qualquer grande companhia do gênero: era grátis.

Os sites pagos podiam gastar US$ 30 ou US$ 40 em publicidade para conquistar um usuário. Um site gratuito poderia gastar talvez US$ 0,40. Em vez de tentar concorrer diretamente com o Match, líder do setor, ele criou um site que custava quase nada para funcionar e era dirigido para o tipo de pessoa que queria baixar alguns perfis, mas não estava disposta a usar o cartão de crédito. Ao fazer isso, ele descobriu uma maneira de alcançar um mercado grande e mal atendido. Ainda melhor, criou o lugar perfeito para os sites de namoro pagos gastarem seus enormes orçamentos de publicidade.

O Plenty of Fish cresceu lentamente no início, enquanto Frind se esforçava para aprender a linguagem de programação e percorria os fóruns da internet em busca de dicas para aumentar seu tráfego. Existe um punhado de acessos de Frind do início de 2003 em que ele faz perguntas básicas como: “Estou interessado em saber quanto dinheiro os sites geram com publicidade”. Frind pouco sabia sobre otimização de máquinas de busca e publicidade online, mas foi um aluno rápido. Ele ganhou apenas US$ 5 no primeiro mês, mas no final do ano estava embolsando mais de US$ 3.300 por mês. Resolveu largar o emprego.

“Você já conheceu alguém como eu?” É ao mesmo tempo uma provocação e uma pergunta genuína: Frind tem poucos amigos empresários, nenhum mentor ou investidor. Além disso, ele escolheu um caminho que parece contrariar o senso comum sobre as companhias da internet. A maioria dos sites da web com tanto tráfego quanto o Plenty of Fish já teria nesta altura levantado milhões de dólares de investidores de risco, contratado dezenas de engenheiros e desenvolvedores de negócios e descoberto uma maneira de impedir que alguém tão anticonvencional quanto Markus Frind tomasse decisões importantes.

Mas ele também é um homem de seu tempo. Nos últimos anos, um novo ecossistema tecnológico construído em torno do predomínio do Google em buscas na web e sua decisão de oferecer ferramentas de software poderosas gratuitamente mudou a economia dos negócios na internet. Sites em que os capitalistas de risco teriam gastado dezenas de milhões de dólares para construir há dez anos hoje podem ser iniciados com dezenas de dólares. Ninguém percebeu essa mudança tão bem quanto Markus Frind. Ele manteve o negócio simples, barato e enxuto mesmo quando suas receitas e lucros cresceram muito além dos de uma típica empresa individual. O site Plenty of Fish é um pesadelo de designer: ao mesmo tempo minimalista e deselegante, parece algo que um adolescente poderia fazer em uma tarde. Quando se procura um parceiro potencial, o usuário é inundado por fotos que não são cortadas ou formatadas em tamanho adequado. Os retratos são comicamente achatados ou alongados, um efeito bizarro que torna difícil avaliar rapidamente os parceiros potenciais.

Frind está consciente dos defeitos de seu site, mas não tem pressa de consertá-los. “Não adianta fazer ajustes banais”, ele diz. A abordagem de Frind – e o motivo pelo qual ele gasta tão pouco tempo trabalhando – é se mexer o mínimo possível. Há duas virtudes nessa “filosofia”. Primeira: se não estiver fazendo nada, você não desperdiça dinheiro. E segunda: em um site tão grande e complexo, é impossível prever como as menores mudanças poderão afetar o resultado final. Consertar as imagens distorcidas, por exemplo, poderia até prejudicar o Plenty of Fish. Hoje, os usuários são levados a clicar nos perfis das pessoas para ver, na próxima tela, fotos adequadas. E Frind capta anúncios por page view. “O site está dando certo”, ele diz. “Por que eu deveria modificá-lo?”

Ele concentra as suas energias para tornar o Plenty of Fish melhor em combinar pessoas. Quando um membro começa a percorrer os perfis, o site registra suas preferências e então reduz seus 10 milhões de usuários para um grupo mais administrável de parceiros potenciais. Se você disser ao Plenty of Fish que quer sair com loiras não-fumantes, mas passa o tempo todo espiando morenas viciadas em nicotina, o programa se adaptará. “As pessoas acham que sabem quem é seu par perfeito, mas nem sempre é quem elas realmente querem”, diz Frind. Ele estima que o site gere 800 mil relacionamentos bem-sucedidos por ano.

Mas o brilho do Plenty of Fish não é sua força como máquina de unir pessoas; é o baixo custo operacional do site. Não apenas Frind conseguiu administrar sua empresa quase sem funcionários, como também opera uma base de dados enorme quase sem hardware. A maioria dos sites tão movimentados quanto o dele usa centenas de servidores. Frind tem apenas oito, graças à sua capacidade de escrever códigos eficientes. “Em outros sites, quando uma coisa sai ligeiramente errada a reação é comprar mais servidores ou contratar um Ph.D.”, ele diz. “É inacreditável – as pessoas justificam seus empregos gastando dinheiro.”



SEM TÉDIO
No final dos mais longos dias de trabalho, isto é, por volta do meio-dia, Frind diverte-se com jogos de guerra. Ele faz um paralelo com seus negócios: “É um jogo de estratégia. Você tenta dominar o mundo, um país de cada vez.” O relato feito por Frind em seu blog em 2006 diz muito sobre sua visão de mundo: “Escolhi ‘inimigos’ e fiz o possível para derrotá-los, o que significava ser maior que eles. Eu me recusei a aceitar qualquer tipo de derrota.”

No verão de 2008, com seu site passando para o primeiro lugar entre os sites de namoro nos Estados Unidos e no Reino Unido, Frind começou a se perguntar sobre seu próximo passo. Ele alugou um escritório de 300 metros quadrados no Harbour Center em Vancouver, anunciou que ia contratar 30 funcionários e comprou um Blackberry. Mas os planos não eram exatamente concretos. Em outubro o escritório de Frind continuava vazio: sem móveis, nada nas paredes e com três empregados. Ele não se incomoda com isso. Frind não tem pressa. Às vezes pensa em criar outra empresa. Certa vez brincou de criar um site de listas de empregos gratuito, mas achou a ideia inconsistente. “Sim, eu poderia fazer, mas seria como…” – ele adota um tom agudo de zombaria – “Opa! Temos 100 visitantes hoje! Enquanto no meu site todo dia são mais mil ou 10 mil.” É difícil saber o que fazer com um sujeito que trabalha uma hora por dia, não viaja muito e não tem hobbies além de jogos de guerra. Como ele ainda não está entediado?

10 QUESTÕES PARA MARKUS FRIND, DO SITE DE NAMOROS PLENTY OF FISH
1>>> Qual é a sua parte favorita do dia?
A manhã. O que há de mais excitante acontece na primeira ou segunda hora – se algo de fato acontece.
2>>> Qual habilidade você gostaria de melhorar?
Como eu faço quase tudo no Plenty of Fish, eu já me garanto no trabalho. Talvez esquiar. Eu não caio tanto assim, mas não sou muito bom.
3>>> Se você decidisse abrir um negócio em outro ramo, qual você escolheria?
Provavelmente seria na área de empregos. É quase o mesmo que trabalhar com namoros. Só que, em vez de carregar perfis pessoais, você trabalha com currículos.
4>>> Se você pudesse voltar atrás e fazer algo diferente, o que seria?
Eu não mudaria nada. Você aprende algo em tudo o que faz.
5>>> O que, de mais simples, você nunca aprendeu a fazer?
Nadar. Quando era criança, eu me queimei com água fervendo. Então, por muito tempo, tive ataque de pânico com muita água à minha volta. Levou um tempão para eu superar esse trauma.
6>>> O que tira o seu sono?
Eu só me preocupo quando sei que haverá um afluxo enorme de pessoas – como no dia seguinte ao Natal.
7>>> Quem é a pessoa mais inteligente que você conhece?
Eu não conheço tantas pessoas assim.
8>>> Quem te dá o melhor conselho sobre o seu negócio?
Eu não recebo conselhos porque não há ninguém em situação similar à minha. Todo mundo aconselha contratar uma tonelada de pessoas e gastar uma tonelada de dinheiro. Mas esse tipo de conselho normalmente não leva você a lugar nenhum.
9>>> De que conquista você mais se orgulha?
Conseguir, sozinho, um bilhão de page views por mês.
10>>> Com o que você mais se divertiu no trabalho até agora?
Ir ao banco depositar um cheque de um milhão de dólares.

Fonte: Revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios

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